Você não precisa sair da empresa para se tornar um empreendedor

O estímulo ao chamado intra empreendedorismo tem sido o melhor caminho para gerar inovações. Saiba como funciona dentro em um dos maiores laboratórios nacionais

Assumir riscos e solucionar problemas são competências fundamentais para quem quer empreender.

Esse perfil também é o sonho de muitas empresas, que cada vez mais buscam funcionários que se comportem como verdadeiros ‘donos do negócio’.

Um colaborador que se compromete sem limitações, disposto a somar com diferentes áreas e inspirado a ponto de trazer novas ideias e contribuições para o sucesso da empresa -é o que se chama de intraempreendedor.

O termo foi introduzido, em 1985, pelo consultor Gifford Pinchot – um dos primeiros acadêmicos a estudar a relação entre as empresas inovadoras e as atitudes empreendedoras de seus funcionários. Pinchot, autor do livro com que empresta o título a esta reportagem, chegou à conclusão de que as empresas precisam mudar os modelos de gestão e deixar de concentrar projetos, sugestões e decisões somente entre os executivos do alto escalão.

Neste sentido, o pesquisador defende que quem deve estar à frente das iniciativas inovadoras são os próprios colaboradores da empresa, seja colaborando na criação de novos produtos ou serviços, ou melhorando processos.

Marcelo Nakagawa, professor de empreendedorismo e inovação do Insper, concorda que essa é uma das bases da inovação bem sucedida. E embora o conceito seja discutido há mais de três décadas, sua aplicação ainda não está tão disseminada no país quanto deveria.

Nakagawa afirma que um olhar atento à lista das empresas mais inovadoras mostra que a maioria delas possui políticas estruturadas para encorajar iniciativas criativas de forma constante.

Natura, P&G, Unilever, Itaú, Santander e Gerdau são apenas alguns dos exemplos citados pelo especialista de como trabalhar bem o intraempreendedorismo.

Ou seja, o modelo está longe de ser fruto do acaso ou da boa vontade dos colaboradores.

“A inspiração para inovar precisa ser estimulada no ambiente corporativo”.

Outro exemplo poderia ser a 3M. Após uma descoberta de um funcionário do chão de fábrica, em Minnesota, nos Estados Unidos, a multinacional passou a oferecer às áreas técnicas a possibilidade de usar 15% do tempo de trabalho para projetos individuais.

Na época, um dos trabalhadores da linha de produção percebeu que usar esparadrapos para demarcar e proteger as peças que seriam pintadas não era a melhor alternativa.

Isso porque sempre que removida, a fita deixava pequenas falhas na pintura.

O funcionário passou a testar colas e misturas não tão aderentes, e que ao serem removidas fossem menos agressivas, e assim então, criou a fita adesiva, em 1925.

FUNCIONÁRIO EMPREENDEDOR

Intrigado com a burocracia de um dos processos de reembolso do Grupo Fleury, uma das maiores laboratórios de medicina diagnóstica do País, um dos funcionários sugeriu uma solução para o caso.

Como parte do uniforme padrão proposto pela empresa, cabia a cada colaborador comprar o seu próprio calçado de trabalho, para posteriormente, solicitar o reembolso pelo item.

“Ele (colaborador) nos apontou a possibilidade de tornar essa compra interna porque conseguiríamos negociar melhores preços e também aliviar a demanda da equipe de suprimentos”, diz Galeno Jung, diretor de Estratégia, Inovação e Inteligência de Negócios do Grupo.

Jung explica que mesmo não se tratando de uma inovação disruptiva, a sugestão resolveu um problema, reduziu processos e trouxe uma economia significativa.

O que parecia ser apenas uma medida para gerar mais praticidade trouxe também uma economia de R$ 3 milhões para o grupo, de acordo com Jung.

Há dois anos, antes de chegar ao cargo de gerente de Estratégia e Inovação do Fleury, Rodolpho Meschgrahw percebeu que a empresa era não apenas referência em exames, mas também uma grande detentora de conhecimento e pesquisa.

Em busca de uma forma de rentabilizar a veia acadêmica do grupo, o executivo e outros analistas sugeriram a abertura de uma unidade de negócios com foco em educação em saúde.

Na época, a ideia foi aceita, mas teria de ser concretizada com baixo investimento. E para ser levado a diante, o projeto teria de ser subsidiado com recursos próprios.

Hoje, são mais de mil alunos e cerca de 40 tipos de cursos, que vão desde atendimento de emergência, radiologia até cursos de atualização, como diagnósticos pediátricos, e cuidados com idosos.

“Mais que gerar receita, também conseguimos nos reposicionar e fazer com que nossos médicos também participem desses cursos”.

Para Nakagawa, essas histórias retratam de maneira clara que a inovação percorre caminhos nem sempre previsíveis.

Um dos grandes problemas que impede a ação do intraempreendedor, segundo o especialista, é a falta de autonomia para expor opiniões e concretizar projetos.

Pensar fora de suas atribuições e inventar algo sem que lhe seja solicitado são as principais características de quem desenvolve ideias inovadoras.

No Grupo Fleury, elas brotam em meio a diferentes projetos. Um deles, o Central de Ideias foi lançado em 2007 com o intuito de promover a geração espontânea de sugestões dos colaboradores para a implantação de melhorias nas práticas de medicina diagnóstica, e também no atendimento ao cliente e de gestão.

A novidade veio no mesmo momento em que a empresa estava se modernizando e estruturando para se transformar numa empresa de capital aberto e de visibilidade nacional, explica Jung.

As contribuições são feitas via intranet e são comentadas e curtidas pelos demais participantes. As mais populares e melhor avaliadas podem ser adotadas pela empresa, e seus autores podem receber um prêmio, como por exemplo, um Ipad.

Atualmente, o Central de Ideias recebe também propostas inovadoras de 55 empresas fornecedoras, que prestam serviço ao grupo.

Meschgrahw explica que o formato foi a melhor maneira encontrada para profissionalizar e democratizar a visão de inovação dentro da empresa, que antes era focada nos médicos do laboratório e na área de pesquisa de desenvolvimento.

Além de capturar idéias, eles se preocupavam em mapear os problemas que acontecem com o consumidor final.

“Temos 100 unidades que prestam serviços, e estamos no varejo. Precisávamos ouvir a ponta, o coordenador de cada unidade, e quem atende diretamente nossos pacientes”, diz o gerente.

Em 2014, a iniciativa registrou pouco acima de 2 mil participações (21% do quadro, a meta é atingir 50%) e 761 ideias inseridas. Desse montante, 250 sugestões foram aprovadas e 182 implantadas.

Neste ano, apenas internamente, cerca de 400 ideias foram apresentadas no programa corporativo. Desse total, 15 estão em processo de implantação.

Fonte: Administradores